Maria Isabel João
A utilidade social do ensino da História consiste em formar a consciência e a memória histórica das novas gerações. A forma como isso tem sido entendido varia com os contextos culturais de cada período e, em parte, com os valores ideológicos dominantes nos diferentes regimes políticos. A eficácia com que esse objetivo é atingido depende, essencialmente, do tipo de História que se ensina e dos métodos pedagógicos.
É evidente que uma História narrativa, factual, povoada por homens e mulheres, atenta à vida e aos acontecimentos que se contam com emoção e detalhes pitorescos é mais apelativa e suscetível de ser assimilada do que uma História abstrata e conceptual. A História lida com o tempo e o espaço, por isso não pode dispensar a cronologia e o mapa. Tem de ser feito um esforço permanente para fixar as datas, referenciar as épocas e os contextos dos factos, localizar os lugares com rigor. Sem isso não há memória histórica que valha. A História vive de muitas histórias que não têm a frieza de uma série de preços, de uma curva demográfica, de uma definição genérica que se decora sem compreender, apesar de não ter de dispensá-las. A História percebe-se melhor com imagens e com documentos simples que dão voz às pessoas de outros tempos. A História aprende-se ativamente, lendo, escrevendo e contando aos outros. E tem de ser recriada pela imaginação, sem perder de vista a realidade, para se tornar mais viva, mais próxima e compreensível. Esta História exige aos docentes muita competência pedagógica e conhecimentos bem interiorizados. Não se podem contentar com os manuais ou com ideias gerais vagamente apreendidas em cursos universitários que, afinal, só lhes forneceram uma licença para continuar a estudar sozinhos e a aprender para poderem ensinar.
É preciso não esquecer que a memória dos jovens não é uma tábua rasa, mas está povoada de representações, imagens e noções sobre o passado que fazem parte da memória coletiva e que foram adquiridas nos contactos sociais. Esta memória “é o que fica do passado na vivência dos grupos ou aquilo que os grupos fazem do passado”, de acordo com Pierre Nora. Os fatores ideológicos e afetivos têm um peso decisivo nas memórias coletivas e são fonte de muitos preconceitos, estereótipos e interpretações unilaterais dos factos históricos. O olhar centra-se, naturalmente, em nós e subalterniza os outros. O passado é visto em função do presente e das expectativas em relação ao futuro. Os anacronismos são comuns e o tempo aparece como uma categoria vaga, imprecisa, fluída, como um eterno presente. As noções fatalistas sobre o destino e a tendência para recordar somente o que conforta e suscita uma identificação positiva dominam as representações vulgares da história. As memórias coletivas são construídas de muitos esquecimentos.
Competiria, por isso, ao ensino da História contribuir para forjar uma memória fundada na razão, informada, crítica e plural. Uma memória histórica que tenha quadros de referência suficientes para pensar sobre o mundo e a sociedade, para continuar a informar-se e a ter interesse pela história. A memória não é um armazém de conhecimentos. É uma faculdade dinâmica, construtiva e plástica, que requer treino e que é capaz de se adaptar. Coisas que memorizamos em certas etapas da vida só mais tarde são utilizadas e acabam por fazer pleno sentido. Muitas outras são esquecidas, mas quando o gosto foi despertado algo pode ser ainda recuperado. A memória histórica que seria desejável construir não é um mero repositório de datas e nomes, mas um conjunto de conhecimentos, representações e imagens que formem um saber com sentido e com instrumentos operatórios para poder refletir. No século XXI, a consciência e a memória histórica têm de ser humanistas e partir das realidades próximas, locais, nacionais e europeias, com as quais nos identificamos, para a compreensão da diversidade humana e das diferenças culturais.
Maria Isabel João